sábado, setembro 30, 2006

Dura na queda

Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do Carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade sim
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a
estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas


Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir
Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a
estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas


Chico Buarque, Carioca.


quinta-feira, setembro 28, 2006

Sobressalto

Sobre o salto alto imaginário do meu andar, tento dar passadas matreiras que me seduzam e me devolvam novamente a paixão do meu olhar, o caminho até mim. Sobre o salto da pedra que saltou, tento não cair desviando-me de preconceitos egoístas, sem medo de mim. Sobressalto-me com o sobressalto do meu coração, que acelera e me sufoca com a angústia de pintar as palavras certas nas linhas infinitas do meu caminho, a angústia de me ver como sou, sobressaltada.


quarta-feira, setembro 27, 2006

Que Há-de Ser De Nós?

Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento

Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia pela foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?

Que há de ser só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando a lua nos trouxe
à luz da manhã

Reencontrámos lágrima e riso
démos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há de ser de nós?

Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu peito alvoraçado
devolver-se-á: endereço errado?

Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos

Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura
que será que foi
quanto é quanto dura

Que há-de ser só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós


Sérgio Godinho

domingo, setembro 24, 2006

Quem me dera ser Onda

"Redação

Carnaval da Vitória é o porco mais bonito do mundo. Meu pai que lhe trouxe no sétimo andar onde a comissão de moradores é reaccionária porque não quer porcos no prédio e o camarada Faustino tem kandonga de dendém e faz kaporroto e cem kwansas cada búlgaro.
Primeiro o nome dele era só Carnaval. Depois qua a gente ganhou a vitória contra o inimigo ficou Carnaval da Vitória. O inimigo é uma fiscal fantoche ladrão de porcos que lhe denúnciamos no prédio onde ele ficou com vergonha. Carnaval da Vitória é o porco mais bom do mundo porque quando veio na nossa escola a camarada professora deu borla.
O meu pai é um reaccionário não gosta de peixe frito do povo e ralha com a minha mãe. Ele é que é um burguês pequeno mas diz que o Carnaval da Vitória é um burguês. Por isso quer matar só por causa de comer carne. Carnaval da Vitória é revolucionário porque quando o meu pai bateu em mim e no meu irmão Zeca ele lhe queria morder. Nós não vamos deixar matar o Carnaval da Vitória porque a luta continua e o responsável da comissão de moradores não sabe as palavras de ordem que os pioneiros é que lhe ensinam. E a camarada professora é muito boa porque deixa fazer redaçcões que a gente quer e até trouxe na escola o primo dela Filipe que veio tocar viola dentro da nossa sala.

Ruca Diogo"

Manuel Rui, 1999, Ed.Cotovia

sábado, setembro 23, 2006

O Outono, por Alphonse Mucha

sexta-feira, setembro 22, 2006

Sopa de Letras

E de repente a Palavra transformou-se numa enorme Sopa de Letras, que me inunda como quem me dedica o Outono. A cada colherada as letras teimam em não se juntar, teimam em ficar a nadar, solidárias na sua incumplicidade. E digo-lhes que me doem, e que me consome a ansiedade de as ver alinhadas, certinhas na sua formação ordeira de quem cumpre a métrica e a sintaxe de cada linha, de cada pensamento. Mas elas ficam compenetradas no seu próprio som, sem sentido literário, a gozarem a sua solidão, de mais do que serem letras, serem as letras das minhas Palavras.

PS: A expressão "dedica o Outono" foi abusivamente roubada de alguém que magnificamente a escreveu!

quarta-feira, setembro 20, 2006

O Som

O som sujo, impuro, da agulha a rasgar o vinil... Preto, que viramos e ouvimos outra vez... As vozes que de tanto cantarem, estão roucas, consumidas, perdidas em outras bocas melodicamente imperfeitas.
Os sons que nos moldam a vida, que nos embriagam ou nos fazem chorar, que nos embalam e nos fazem sentir, que nos acalmam ou podem irritar... Que nos atiçam e nos ensinam a amar...
O som eterno de outros tempos que nos faz sonhar o futuro, que nos faz cantar o presente.


Este disco foi um presente muito especial!
Foi oferecido não pela musica que contém, mas pelo objecto que é...

domingo, setembro 17, 2006

"E por vezes" como agora...


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão Ferreira

Como agora....
As minhas palavras já foram escritas por outros.
Dou-te a mão e caminho ao teu lado.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Aconteceu.....

Aconteceu
O que aconteceu
Foi melhor assim
Estava por um fio
Estava por um triz
Estava já no fim
Todo mundo via
Que acontecia
Pois aconteceu
Era o que devia
Quando um descaminho
Acha o seu desvio
Tudo se alivia
Foi melhor assim
Quando dei por mim
Já estava aqui e agora



by Marisa Monte, Arnaldo Antunes

quinta-feira, setembro 14, 2006

"c/v Esquerda"

Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava

E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: a que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar.

Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem, de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito a aprender

Se temos...! Diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda...
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de idade
o amor não é o bilhete de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar e deixar mudar


Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive de imaginar
é preciso explicar que sou o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for
(espero que não seja preciso, porque não
sei como é que eles vão viver sem os
dois salários...)


Vá fala que o bebé está acordado
e vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.


2º Andar Direito
Letra e música: Sérgio Godinho
In: "Pano-cru" de 1978.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Ser Maçã.

Por instantes pensei que a Maçã tinha caido!!!
Não havia mais razão de ser, a rede do trapézio tinha sido recolhida e eu podia cair a qualquer instante. E ao cair, a dor seria tão intensa, tão aguda que já não valeria a pena... Ser Maçã...
Mas...
Mas olhei descobri que me podia segurar... Segurar com as minhas mãos, com a minha vontade, com o meu corpo.... E assim nunca vou cair.
Desenho a lapiz de cor feito por meu querido Tio Nuno Miranda!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Telhados



Da Ponte, vejo os Telhados.
Os telhados que não me deixam ver o que debaixo da sua soalheira protecção cor de tijolo acontece.
Os telhados que pensam encobrir, mas que os meus olhos despem e desfolham telha a telha, chaminé a chaminé e percebo que debaixo desses telhados, existem diálogos mímicos e amênas bebedeiras que tornam pouco útil toda e qualquer protecção.
Porque afinal, debaixo de todos os telhados, existe alguém que depois de entrar, irá sempre sair.
Procurando a chuva ou o vento.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Pode ser a gota d'água!

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água


Chico Buarque/1975


Quando nos deitamos e acordamos com as mesmas palavras a quererem sair da boca, elas só desaparecem quando as partilhamos!

terça-feira, setembro 05, 2006

...

"...Toquei-te no ombro e a marca ficou lá..."


segunda-feira, setembro 04, 2006

Dançavas!


E foi naquele momento
Em que só existias tu, a música e a nuvem de pó que vos envolvia
Tu foste feliz
Tu e a tua felicidade de dançar ao som da tua música
Do teu som
Como se os milhares de pés que levantavam o pó
Nem lá estivessem
Naquele momento Puro
De total entrega
Em que te festejavas
Ao som da música
De todos