segunda-feira, janeiro 23, 2012

a luz de um novo dia

lembra-me
quando eu já não vir
de como fui.
do meu vestido em dias de festa
e da cor dos meus sapatos,
de como ficava o meu cabelo preso com laços de cetim.

lembra-me
quando eu já não sentir
da minha boca.
do meu beijo em horas tardias
e das minhas mãos no teu cabelo,
de como te arrepiava o meu toque a meio da noite.

lembra-me
quando eu já não ouvir
da minha voz.
da minha voz calada pelo teu olhar
e do som do mar no meu peito,
de como cantava as musicas do rádio em tardes solarengas.

lembra-me
quando eu já não puder ir
da minha força.
dessa que eu tinha com o punho erguido
e de como era maior a nossa convicção,
de como íamos fazer um mundo novo, justo e solidário.

lembra-te
quando eu me for
de mim.
de mim como mulher
e de como um dia nos beijamos à chuva,
de como fizemos de um punhado de sol, a luz de um novo dia.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Não foi a primeira vez que te vi, já o fiz em surdina, à beira do velho cais baptizado pelo sangue dos que lá desaguaram, dos que por ali adivinharam o seu fim.

E quantos, ali, naquele cais, quando a maré já o reconheceu vezes sem conta, empunharam por mim os punhais?
Quantos já juraram o regresso, quantos já me juraram de morte, quantos já mataram por mim?
Quantos?
Quantos me apertam o braço para não me ir, para não me terem como fantasma durante o tempo em que não consomem a minha carne, em que não me consomem.

Não foi a primeira vez que te vi, por esses becos, que de manhã cheiram a fruta frescas, a peixe e à noite são de maresia... cheiram a prazer, a velas acesas pelas beatas em novena, a roupa despida rapidamente, a bocas tragadas de água ardente barata...

Parado, estavas parado à espera... Esperavas parado pela espera de alguém... Cigarro entre os dedos com a ponta voltada sobre a palma da mão, evitas olhar quem passa à tua frente...

De mim?
De mim não ... que me escondo atrás dos cartazes meio rasgados que anunciam o circo, os elefantes e as amazonas que chegaram à cidade...

Sei por que esperas, já tenho visto passar esses homens de mãos calejadas que vão ao teu encontro, nessa aparente despreocupação de quem tem tudo previsto, até os olhares mais luzidios.

Sei que conspiram ... Conheço essa chama que arde no peito e leva os homens por esse cais a construir o Novo Mundo.

Por mim?
Por mim não ... que me escondo por debaixo destas roupas gastas de tanto vestir e despir e desde baton barato que dá cor aos lábios depois de tanto os morder para não chorar. Tempos houve, em que as minhas roupas eram de trigo e papoilas vermelhas, e o meu perfume vinha da foice e do ramo de oliveira que usava no chapéu de palha.. tempos passados, tempos da minha aldeia, da sombra do meu sobreiro...

Bem te vejo, mãos calejadas … Imagino-as a desenhar a minha cintura ... Calejadas ... Por redes que rendilham as ruas! Das canastras de fruta meio madura! Da fábrica, do apito sonoro que invade o cais às 17h e me desperta do sono diurno ... Ou será dos corpos que percorres com os dedos em noites de suores frios!

Dizem as mulheres do cais, que homens como tu não são dados a amores de poucas horas, nem a camas onde os lençóis são o ar frio….Dizem que andam na Luta, no corpo a corpo, sem navalha, só palavras.

E se te pudesse falar, agora, dizia-te que te consumia por uma braçada de flores, ou por um simples punhado de ar fresco.

Ou quem sabe, só por te ouvir falar...

segunda-feira, janeiro 16, 2012

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ver-te no meio de tanta gente, assustada, aflita, sem te identificares com nada e a desejar ter a atitude que outros teriam no teu lugar, não pude deixar de regredir à infância e reviver uma solidão que sempre senti.

Supostamente de volta?

não existe mais nada a fazer senão um futuro que assente no pretérito perfeito que um dia achámos ser o nosso presente